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Projeto inovador no Brasil estuda o impacto de Zonas de Baixa Emissão na poluição de Fortaleza

A pesquisa simulou a criação de uma medida restritiva de tráfego para reduzir a concentração de poluentes através da evolução da tecnologia veicular

O ar que respiramos nas grandes cidades está longe de ser o ideal. No Brasil, onde o carro é um objeto de consumo bastante desejado por parte da população, essa situação pode ser ainda mais preocupante, pois estima-se que 70% das emissões de poluentes atmosféricos em áreas urbanas vêm do setor de transportes. Diante desse cenário, um estudo inédito no País, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), combinou dados reais com a simulação da criação de uma Zona de Baixa Emissão na cidade de Fortaleza: o primeiro a analisar essa medida no Brasil, adaptando-a à realidade de um país tropical como o nosso. Para o projeto-piloto, foi definida uma área que compreendeu a região do Meireles, da Aldeota e do Centro, escolhida pela alta densidade populacional e também veicular. O objetivo foi verificar o impacto na melhoria do ar através da redução da concentração de poluentes.

Confira a matéria também em áudio, produzida em parceria com a Rádio Universitária FM:

Trata-se da tese do pesquisador Helry Dias, que desenvolveu uma parte do trabalho na Aarhus University (AU), da Dinamarca, no doutorado sanduíche. “A Zona de Baixa Emissão é uma medida restritiva de tráfego que já é largamente utilizada na Europa e foi nesse sentido que nós fizemos uma etapa desse trabalho lá, justamente pra aprender com o estado da arte desse tipo de pesquisa, baseado na evolução veicular”, explica. A pesquisa contou com a orientação do professor Bruno Bertoncini (UFC) e de Steen Solvang Jenses (AU) e é um dos frutos dos esforços empreendidos há mais de 10 anos pelo Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR), o Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Transportes (PETRAN) e o Departamento de Química Analítica e Físico-Química.

Mapa maior em verde representando os bairros estudados, mapa menor em verde de Fortaleza, mapa verde-claro do Ceará e mapa bege do Brasil (Imagem: Helry Dias)
Dentro da zona escolhida em Fortaleza, foram definidas 20 subáreas, com pontos de coletas reais de NOx , além de mais 12 locais para coletar o material particulado (Imagem: Helry Dias)

O grupo tenta compreender a formação de poluentes oriundos dos veículos, das indústrias e da infraestrutura, bem como parâmetros influentes na sua concentração e dispersão. Em 2012, foi criado o projeto Avaliação da Qualidade Ambiental em Áreas Usadas para Esporte e Lazer na Cidade de Fortaleza, coordenado pelo Professor Rivelino Cavalcante, do Curso de Ciências Ambientais do LABOMAR, com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A partir de então, passou-se a expandir os objetivos de pesquisa, ligados especialmente à qualidade do ar, graças ao investimento na infraestrutura do projeto.

EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA

De acordo com Dias, a Zona de Baixa Emissão se baseia na substituição da frota por veículos de melhor tecnologia – e não necessariamente na redução do número de automóveis – com a finalidade de melhorar a qualidade do ar. Ou seja, ocorre a troca gradual de veículos mais antigos por novos, os quais emitem menos poluentes. “É importante frisar que essa medida não existe no Brasil, não é que ela está começando, ela simplesmente não existe”, ressalta.

Na avaliação, foram monitorados gases poluentes e os chamados materiais particulados, no período de maio a novembro de 2017. Entre os poluentes verificados, estão o NOx, que, no caso da poluição oriunda de fontes móveis (os veículos), é, de forma simplificada, a soma do NO e o NO2, gases altamente tóxicos, provocando uma série de doenças a longo prazo. Já os particulados são sólidos que, suspensos no ar, comportam-se como gases, a exemplo da fuligem, liberada pelos canos de escapamento. Em 2013, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), classificou esses materiais como carcinogênicos.

Figura da cidade de Fortaleza com quadriculados em branco e vermelho indicando a quantidade de emissão do gás NOx (Imagem: Helry Dias)
Entre os poluentes verificados na pesquisa, estão o NOx, que, no caso da poluição dos veículos, é a soma de dois gases altamente tóxicos (Imagem: Helry Dias)

“Dentro dessa zona escolhida, nós definimos 20 subáreas, com pontos de coletas reais de NOx, além de mais 12 locais para coletar o material particulado, em diferentes campanhas para observar os impactos das variações meteorológicas na concentração de poluentes”, explica. Após o monitoramento, foi desenvolvida uma etapa de modelagem e, em seguida, realizou-se um confronto entre as concentrações do tráfego real, verificadas com os equipamentos, e os dados modelados. “Ajustamos o modelo, evidentemente, até que ele nos fornecesse números próximos aos reais, a chamada calibração”, descreve o pesquisador.

MELHORA DO AR

Ao final, sete cenários foram gerados, para além da configuração veicular atual, com base na evolução gradual da tecnologia veicular, partindo de um menor nível de restrição até uma grande restrição, semelhante à de Londres, na Inglaterra. Lá, acaba de entrar em vigor no centro da cidade a chamada Zona de Emissão Ultra Baixa, medida que deve se estender para outras regiões em torno de vias circulares ao norte e ao sul da Capital inglesa, em 2021. “Com a evolução das tecnologias dos veículos, as emissões vão ficando cada vez menores. Em cada cenário, nós verificamos uma considerável melhora da qualidade do ar com o aumento de cada uma das tecnologias”, conclui Dias. Segundo o pesquisador, a implementação da Zona de Baixa Emissão em Fortaleza, aliada a outras medidas restritivas de tráfego, teria um desempenho ainda maior na redução da concentração de poluentes.

O autor da tese de doutorado, Helry Dias, e seu orientador, Prof. Bruno Bertoncini (Fotos: arquivo pessoal e Viktor Braga/UFC)
O autor da tese de doutorado, Helry Dias, e seu orientador, Prof. Bruno Bertoncini (Fotos: arquivo pessoal e Viktor Braga/UFC)

O motor dos veículos não tem eficiência de 100%, o que ocasiona a chamada queima incompleta do combustível. Em um processo de combustão interna ideal, o resultado deveria ser somente água e CO2 (gás carbônico), mas diversos fatores acabam atrapalhando esse equilíbrio. Conforme Helry Dias, essa queima incompleta faz com que outros componentes indesejáveis sejam desprendidos, como o NOx – formado a partir do nitrogênio, gás com maior proporção na atmosfera – e os materiais particulados.

Para o professor Bruno Bertoncini, orientador da pesquisa, o estudo surgiu com o interesse de levar em conta a questão ambiental na melhoria da qualidade de vida das próximas gerações, contribuindo para a incorporação dessa temática em processos voltados ao planejamento de sistemas de transportes. Uma das conclusões do monitoramento é de que Fortaleza tem um aspecto de muita concentração de atividades em algumas áreas, acarretando grandes deslocamentos. Mas, para além dessa realidade, o tema da poluição é outra das preocupações dos pesquisadores. “A ideia era tentar planejar um sistema de transporte que viesse a contemplar não apenas a redução dos tempos de deslocamento e da formação de filas, por exemplo, mas que colaborasse mais efetivamente ou, com mais propriedade, na redução de poluentes”, explica.

VARIAÇÃO SAZONAL E DIÁRIA

O professor Rivelino Cavalcante apresenta uma série de dados obtidos ao longo de mais de uma década de avaliação da poluição atmosférica na cidade, como a constatação de que a frota veicular e a densidade predial têm papel crucial na piora da qualidade do ar. Foram usados em ambos indicadores da qualidade do ar legislados no Brasil como também não legislados, os quais já são usados em outros países.

O monitoramento aconteceu anualmente para verificar a sazonalidade, ou seja, a variação na acomodação dos poluentes atmosféricos no período seco e no período chuvoso. Mas, como choveu pouco nos últimos anos – com exceção do ano de 2019 –, as características meteorológicas e as do ambiente ficaram bem próximas. “O ideal seria fazermos esse monitoramento diariamente”, projeta. Observou-se que a maioria dos indicadores estudados tem uma piora durante o dia em relação à noite, assim como ao longo da semana em comparação ao fim de semana, devido à intensidade de tráfego.

Com a proposta de analisar os espaços de esporte e lazer em Fortaleza, buscou-se avaliar a chamada qualidade ambiental, que inclui fatores como a qualidade do ar, a sensação térmica e o nível de ruído. Segundo Cavalcante, a cidade sofre com a falta de planejamento na preservação de suas áreas verdes, reconhecidas por liberar umidade, melhorando a sensação térmica, e impedir a reverberação do som, diminuindo o nível de ruído.

Professor Rivelino Cavalcante à esquerda e maquete com prédios em vermelho indicando a altura dos prédios (Foto: arquivo pessoal/ Imagem: Larissa Aguiar)
De acordo com Rivelino Cavalcante, a verticalização diminui a dispersão pelo vento, aumenta a sensação térmica e, aliada a um tráfego intenso, eleva os níveis de ruído (Foto: arquivo pessoal/ Imagem: Larissa Aguiar)

Um fenômeno preocupante, de acordo com o pesquisador, são os chamados cânions urbanos, causados pela verticalização de certas áreas, a exemplo do Meireles. Em torno de 45% das ruas e avenidas desse bairro são classificadas como cânions moderados a profundos. “Esse processo diminui a dispersão pelo vento. Então, você imagina o Meireles, que ainda tem um grande número de veículos. Isso aumenta tanto o nível de ruído como também a sensação térmica”, explica. Conforme Cavalcante, avenidas largas como a Bezerra de Menezes, apesar do grande fluxo de veículos, não têm a qualidade do ar tão comprometida devido à dispersão. Já o Centro, com menor intensidade de tráfego, apresenta índices mais elevados de poluentes por conta do estreitamento das vias e da verticalização.

SAIBA MAIS

A Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu a poluição do ar como o tema de conscientização para o Dia Mundial do Meio Ambiente do ano de 2019, celebrado no dia 5 de junho. Busca-se, com isso, chamar atenção para a qualidade do ar e as mudanças climáticas, ao elencá-las em primeiro lugar na lista das 10 prioridades para atuação em saúde neste ano. A respeito da poluição do ar, especificamente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 92% da população mundial está exposta aos riscos oriundos da qualidade inapropriada do ar, sendo responsável por algo em torno de 12% das mortes no âmbito global.

No País, de 2006 a 2016 houve um aumento de 14% nas mortes provocadas pela poluição atmosférica, segundo o Estudo Saúde Brasil 2018 do Ministério da Saúde. Assim, respirar a fumaça liberada por veículos, fábricas, queimadas é uma rotina fatal para muitos brasileiros.

Fontes: Helry Dias, doutor em Engenharia de Transportes pela UFC – e-mail: helry@det.ufc.br; Bruno Bertoncini, professor do Departamento de Engenharia de Transportes – e-mail: bruviber@det.ufc.br; Rivelino Cavalcante, professor do Curso de Ciências Ambientais /LABOMAR – e-mail: rivelino@ufc.br

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Síria Mapurunga 27 de junho de 2019

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