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Reproduzindo as terras pretas da Amazônia no Ceará

Pesquisadores utilizam subprodutos do agronegócio para produzir material carbonáceo com múltiplas aplicações

O Laboratório de Materiais Funcionais Avançados (Lamfa), da Universidade Federal do Ceará, tem usado biomassa, como resíduos de cana-de-açúcar e vinhaça, para tentar melhorar a fertilidade de solos do semiárido. A ideia é mimetizar (ou seja, reproduzir) as chamadas terras pretas de alguns trechos da região amazônica, conhecidas pela alta concentração de carbono e pela presença de materiais orgânicos.

Vinculados ao Departamento de Física da UFC, os pesquisadores do Lamfa utilizam biomassa para criar um material formado de carbono a partir de uma metodologia ambientalmente adequada, com reatores fechados e meio aquoso, ao invés de métodos tradicionais de queima da matéria-prima.

O objetivo é empregar esse material carbonáceo na revitalização de solos do semiárido, que são arenosos e com baixa capacidade de retenção de água como no caso de terras do Ceará , o que prejudica a atividade de agricultura, por exemplo.

Mãos de pesquisadora segurando um frasco com terra preta (Foto: David Motta/UFC)

Após estudar toda a caracterização da terra preta, os pesquisadores replicam, na terra do semiárido, os resultados encontrados (Foto: David Motta/UFC)

A origem das terras pretas remonta às comunidades indígenas pré-colombianas, que jogavam resíduos no solo, sobretudo ossos e matéria orgânica. Há dúvidas sobre se essa prática indígena era proposital ou acidental. O fato é que, enquanto os solos comuns da Amazônia possuem baixa fertilidade natural, as terras pretas chegam a ter uma concentração de carbono cerca de cinco vezes maior.

Uma das vantagens dessa alta concentração é que as raízes de plantas penetram com mais facilidade. Além disso, pela característica de porosidade do carbono, aumenta-se a capacidade do solo de reter água, e há uma liberação controlada (progressiva) dos nutrientes que aderem ou aderiram à superfície do carbono. Outro ponto positivo é o aumento da atividade de micro-organismos presentes no solo.

TESTES EM LABORATÓRIO

Após extenso processo de caracterização da terra preta, analisando-se não apenas a quantidade de partículas à base de carbono, fósforo e cálcio, mas também o modo como estão distribuídas, os pesquisadores iniciaram os primeiros testes de mimetização desse solo em escala laboratorial a partir do material carbonáceo produzido. Esse trabalho conta também com a colaboração do Prof. Amauri Jardim de Paula, do Departamento de Física da UFC, e dos professores Altair Benedito Moreira e Márcia Cristina Bisinoti, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Campus Rio Preto.

A equipe de pesquisadores do Laboratório de Materiais Funcionais Avançados (Foto: David Mota/UFC)

A equipe de pesquisadores do Laboratório de Materiais Funcionais Avançados (Foto: David Motta/UFC)

O coordenador do Lamfa, Prof. Odair P. Ferreira, espera, com a pesquisa, encontrar uma possível solução para alguns dos problemas vividos pelas regiões Norte e Nordeste quanto à qualidade da terra. “Nosso solo (cearense) é extremamente arenoso, tem baixo teor de matéria orgânica, e sofremos com baixa disponibilidade de água. Podemos revitalizar o solo, deixá-lo mais agricultável e melhorar o aproveitamento hídrico”, defende.

OUTROS USOS: ADSORÇÃO

A presença do carbono na terra pode garantir mais uma vantagem: a adsorção (retenção na superfície do carbono) de outras substâncias, não apenas aumentando a eficiência dos nutrientes devido à liberação controlada, mas também evitando que compostos tóxicos, como pesticidas e outros, possam contaminar o lençol freático, já que estes estariam adesos ao carbono por conta de sua porosidade.

Por isso, o Lamfa também está usando o material carbonáceo obtido na pesquisa para verificar sua capacidade de “limpeza” de substâncias tóxicas. Além do uso no próprio solo, para reter contaminantes, a equipe tem feito o emprego do carbono para tratar resíduos líquidos, ou seja, tem efetuado a técnica de adsorção com o carbono em amostras de água para retirar delas os compostos tóxicos, que ficam retidos na superfície do material.

Imagem em close: pesquisadora segura um pequeno frasco contendo líquido e material carbonáceo. O carbono está sendo puxado por imã do lado exterior (Foto: David Motta/UFC)

Com um imã, é possível separar o material carbonáceo do meio líquido (Foto: David Motta/UFC)

Segundo o Prof. Odair, porém, uma das dificuldades dessa limpeza por meio de adsorção era separar o material adsorvente (nesse caso, o carbono) do líquido tratado, permitindo a remoção dele da água juntamente aos contaminantes. A solução encontrada pelo grupo está na inserção de nanopartículas magnéticas, encapsuladas dentro do material carbonáceo. “Depois, com um imã, eu consigo separá-lo”, diz o pesquisador.

A construção dessas estruturas exige um trabalho complexo de design de reação, mas a equipe tem trabalhado de forma mais simples: garantindo a fase magnética já na produção do material carbonáceo, a partir do bagaço da cana, uma das matérias-primas do processo. “Eu coloco um precursor da nanopartícula magnética junto à biomassa, provoco uma reação, e o produto final já é magnético”, explica.

A ideia inicial do Lamfa é trabalhar em pequena escala, com efluentes segmentados que precisam ser tratados antes de ser despejados em efluentes gerais. Até agora, os testes da equipe foram feitos apenas com o tóxico cromo VI, metal altamente prejudicial à saúde utilizado por várias indústrias. O objetivo é estender a atuação do material carbonáceo para alcançar os chamados contaminantes emergentes, como hormônios em geral.

LEIA MAIS

Veja o artigo (em inglês) sobre a caracterização do solo feita pelo Lamfa

Fonte: Prof. Odair P. Ferreira, do Departamento de Física da UFC – fone: (85) 3366 9485

Kevin Alencar 5 de dezembro de 2017

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